sábado, dezembro 19, 2009

CONVERSA DE NATAL (Republicação)


- Estás no meio de um cigarro pensativo? – Perguntou ela.
- Sim. – Respondeu ele.
- Em que pensas?
- Em nada… Ou talvez em muita coisa… Depende do ponto de vista, acho eu. – Estava debruçado sobre a sua varanda, fumando um cigarro lentamente, enquanto observava as pessoas que passeavam pela aquela rua da cidade, devidamente enfeitada.
- A cidade está movimentada.
- Sim. Todos os anos é assim. Não varia muito.
Nesse momento o som familiar do telemóvel ao anunciar uma nova mensagem ouviu-se. Calmamente ele pegou no aparelho para ler o conteúdo: “Oh oh oh, estamos em tempo de festa e…” Não acabou de ler e de forma quase automática apagou a mensagem.
- Quem era?
- Nem reparei. Mais alguém a desejar Festas Felizes.
- Também já recebi várias do género. E tu, não vais desejar Bom Natal?
- Mais logo. Escrevo uma coisa qualquer e envio para todos da lista.
- Provavelmente vão fazer como tu e apagar a mensagem.
- É bem possível. –
Disse ele soltando uma pequena gargalhada.
- Não te incomoda saberes isso?
- Nada.
- Sabes, tenho saudades dos velhos postais de Boas Festas, que se enviavam pelo correio.
- Estás muito nostálgica hoje… -
Disse ele olhando para ela.
- Talvez… Mas o Natal tinha mais piada antigamente.
- Bem vinda à era da tecnologia. Já ninguém se interessa por esses postais. Haja é saldo no telemóvel.

Lá em baixo a azafama continuava. Passavam famílias aparentemente felizes. Pessoas com sacos carregados, crianças que gritavam, berravam e corriam. Uns pareciam apressados, outros passeavam calmamente. O cigarro dele tinha terminado, olhava agora novamente para baixo.
- Que observas? – Perguntou ela.
- Tudo um pouco. – Respondeu ele de forma vaga.
- Já reparaste nas pessoas?
- Sim. Devem andar nas compras de Natal.
- Algumas… Repara bem. Apesar de ser muita gente, parecem não reparar uns nos outros.
- Nunca reparam. Cada pessoa, grupo ou família é como uma ilha isolada, perdidos na sua vidinha. Porque haveriam de reparar nos outros!?
- Olha com atenção, estás a ver aquele senhor.
– Disse ela apontando para um homem já de alguma idade, que caminhava calmamente por entre as pessoas.
- Sim. Que tem?
- Olha bem para ele. Tem o olhar triste. Parece que está passear, mas na verdade está a observar os outros. Possivelmente porque é uma pessoa sozinha, sem família, sem amigos, sem ninguém. E repara, não é o único com o mesmo comportamento. –
Disse ela apontando para mais algumas pessoas que passavam despercebidas por entre a multidão.
- São pessoas solitárias, a cidade está cheia delas… Toda a gente sabe, toda a gente finge não saber.Ela baixou os olhos, perante a resposta. – “É triste…” – Pensou. Mas não foi capaz de dizer algo. Na cidade a solidão era mais evidente. O rosto daquelas pessoas tristes era doloroso para quem era de fora.
O som do telemóvel a assinalar nova mensagem fez-se ouvir novamente. Parecia ter vindo no momento certo para quebrar o peso no coração que sentia. Novamente ele não leu a mensagem até ao fim e apagou-a.
- O tempo está estranhamente quente para esta altura do ano. – Disse ela.
- Ainda bem. Gosto que haja tempo quente no Natal.
O sol de Inverno brilhava com bastante intensidade, atingindo em cheio aquela varanda, transformando aquele meio de tarde num clima de Verão.
Apesar do calor, ela, no seu coração, não conseguia deixar de pensar em toda a solidão e toda a pobreza que existia e como esses sentimentos são frios. Na altura do Natal fazem festas solidárias, angariam dinheiro, roupas e comida e o resto do ano? Pensou naquilo que já sabia:
“Temos sorte por ter família, amigos, dinheiro suficiente para conforto, prendas e pequenos luxos que achamos tão normais, que nos esquecemos que são um luxo. Depois damos um pouco do que nos sobra a uma causa qualquer e achamos que já contribuímos o suficiente… Na realidade somos hipócritas…”
- O Natal não devia ser assim…
- Disse ela.
- Então como deveria ser? – Perguntou ele.
- …
Ela não foi capaz de responder.
A tarde já estava a terminar e já se começava a sentir o frio que a noite iria trazer. Ele abraçou-a carinhosamente e ela sentiu-se aconchegada no calor dos seus braços fortes. Ela sentiu-se feliz.
- Vamos para dentro. – Disse ele.
Ela acenou com a cabeça concordando. Os dois entraram para o conforto do apartamento entre brincadeiras de um casal apaixonado. Lá dentro o calor e a alegria, deram lugar ao esquecimento daquela conversa, daqueles sentimentos, daquela gente triste e solitária… Afinal era Natal...






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11 comentários:

PEQUENINA disse...

Já comentei este texto o ano passado... Acho que o Natal é sempre o mesmo frenezim, sem que se pense no seu verdadeiro sentido... Todos os anos o mesmo frenético consumismo...
Espero que tenhas um Natal feliz, cheio de Paz e Amor no sapatinho. Apesar dos km de diastância que nos separam, é bom que saibas que nunca me esqueço de ti...
Um grande beijinho, desta tua amiga*

Moonlight disse...

E muitas vezes no meio da multidão move-se pessoas que estam solitarias e nem sequer aparentam tal.....
Feliz Natal!

Bj com luar

Moonlight disse...

*estão

sonho disse...

Desejo te um Santo Natal recheado de muita felicidade junto aos que mais amas...
Beijo d'anjo

Secreta disse...

Afinal é Natal... mas não com o mesmo significado para todos.

vestivermelho disse...

amo vir aqui te ler...

"O amor só é lindo, quando encontramos alguém que nos transforme no melhor que podemos ser."

Mário Quintana

Feliz ano Novo !!

Lita disse...

Texto real, do mundo real onde vivemos...
Mesmo no meio da multidão se está só...
Mesmo a noite mágica, não apaga com sua magia a tristeza sincera de ninguem...
Um ano feliz...
Um beijo
Lita

Pelos caminhos da vida. disse...

Voltei!!!

Obrigada pelo seu carinho.

Feliz 2010!

beijooo.

Angelise disse...

Obrigada :) Desejo-te também um feliz 2010 repleto de desejos concretizados e escrita inspirada ;)

Secreta disse...

Feliz 2010 :)

Pelos caminhos da vida. disse...

Hoje estou agradecendo de um por um por eu ter alcançado mais de 100.000 visitas, isso não seria possível sem vc, meu muito obrigada.

Fim de semana de muitas bençãos.

beijooo.